domingo, 9 de abril de 2017

Defesa Pessoal: uma avaliação de cenários.

O Ving Tsun Kung-Fu se notabilizou como um eficiente sistema de combate corporal, como de fato é, porém o desenvolvimento do praticante particularmente neste aspecto, está mais ligado à capacidade de avaliar cenários do que propriamente a reprodução de uma listagem técnica bem aplicada. O combate não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para que se desenvolva um posicionamento estratégico frente à circunstâncias, por vezes inéditas.



Si Fu executando o Ding Gerk. Foto 2002.




Quando se fala em defesa pessoal, habita no imaginário popular a ilusão de que haverá uma arte marcial que, sendo praticada até alto grau fornecerá técnicas de combate corporal infalíveis. Esse pensamento não é apenas ilusório como perigoso. A técnica, seja a marcial ou não, é algo operacional, encontra limites dentro da natureza dos próprios movimentos e conceitos, pois restringem-se ao plano pré-estabelecido, planejado para a sua aplicação, ou seja, naturalmente limitado.



Prática de Combate. Núcleo Barra da Tijuca. Ano 2005.



Existe uma lenda sobre uma preleção da Seleção Brasileira de Futebol durante a Copa de 1958 na Suécia, a qual o técnico Vicente Feola reuniu os jogadores e combinou a estratégia da partida que seria realizada contra a extinta União Soviética.

Depois de descrever toda a jogada, que finalizaria em gol feito pelo jogador Mazzola na direção da marca do pênalti, Garrincha que ouvia a preleção com a camisa jogada no ombro, perguntou ao técnico: Tá legal, seu Feola... mas o senhor já combinou isso com os russos?

O praticante de Ving Tsun desenvolve seu Kung-Fu dentro de uma experiência de cenários apresentados em premência de morte com a prática do combate simbólico. A vivência promovida com a variação de cenários leva à internalização da experiência, integrando um desenvolvimento perceptivo à sua personalidade. Não há plano traçado para uma execução eficaz; o que há é uma leitura do que está ocorrendo, e durante o processo a decisão se apoiará nesta leitura dos fatos. Não
 há uma posição estabelecida de antemão para atuar, e sim uma antecipação através de uma atenção para aquilo que ocorre à volta de onde se está inserido, e com esta antecipação se perceberá quais são as chances e os fatores favoráveis para se desvencilhar de uma situação de risco. A crença prévia de que a capacidade de  lutar é a viga mestra da defesa pessoal não é uma atitude inteligente. Se alguém tentasse, usando o próprio corpo, agredir fisicamente ao ar livre, o campeão olímpico dos 100 metros rasos, Usain Bolt e ele simplesmente saísse correndo? Há dúvida sobre ser esta uma atitude de defesa pessoal eficiente?



Prática Coletiva durante a visita do Si Gung. Foto 2008.



O Sistema Ving Tsun, através de seus seis Domínios trabalha com diferentes ordens internas, diferentes lógicas, que em conjunto formam uma combinação que geram no praticante a capacidade de compreensão sobre como se pode reagir em diferentes circunstâncias.






domingo, 2 de abril de 2017

Aderir: A excelência estratégica na arte de ouvir.



Si Fu ministrando palestra na USP. Foto 2017. 


Em um de nossos encontros, meu Si Fu, falou sobre uma particularidade de sua relação com seu próprio Si Fu, o Grão Mestre Leo Imamura: " Quando ele propõe algo, eu adiro e procuro a forma de viabilizar para fazer acontecer".
Esta frase chamou muito minha atenção pelo fato de que muitas vezes, deixamos de realizar muita coisa em nossa vida, simplesmente porque as vezes nem pararmos para pensar como poderíamos "fazer acontecer".

Si Fu e Si Gung: momento de Vida Kung-Fu. Foto 2016.


Diante das dificuldades, muitos recuam sem ao menos cogitar a hipótese de estrategicamente planejar a sua ação para efetivamente concretizar aquilo que até então se imaginava impossível realizar. Há uma famosa frase atribuída a Jean Cocteau : "por não saber que era impossível, ele foi lá fez", sendo que  há também quem a atribua à  Mark Twain: "They did not know it was impossible, so they did it!". Seja qual for seu autor esta frase traduz bem a ideia de posicionamento diante dos desafios.

Nesta foto de 1998, Si Fu praticando Muk Yan Jong no Ving Tsun Museum, Dayton, Ohio, USA.


Lógico que nem tudo podemos fazer. Seria ingênuo acreditar que todo o nosso desenvolvimento seria o suficiente para nos tornar capazes de realizar toda e qualquer coisa, cada um de nós tem seus potenciais como também os seus limites, ambos devem ser respeitados, porém, sabotar a ação antes de esgotar as possibilidades de realização daquilo que se deseja, é firmar um pacto com a mediocridade.

Saber ouvir, aderir a uma proposta, não significa ser passivo, aceitar tudo sem questionar ou sem avaliar prós e contras. É antes de tudo, estar com a mente e o coração abertos para perceber quais são os potenciais que determinada proposta carrega consigo, quais são os pontos falhos que podem ser melhorados, qual a possibilidade de realizar, quais os valores que uma ideia pode gerar.


Si Fu ministrando palestra na Universidade Estácio de Sá /RJ. Foto 2003.




Muitas vezes, a adesão torna-se mais difícil quando a proposta é diametralmente oposta à nossa.  Quando se está envolvido na paixão pela própria ideia, entra-se em um estado que no Kung-Fu chamamos Yip Sam (folha que encobre o coração), não nos permitindo ver nada além daquilo que queremos e nem de ouvirmos para percebermos qual o potencial vivo que existe na ideia que não é nossa, enquanto não aderirmos à ela. Com a adesão, as ideias se comungam, se alimentam, se tornam uma nova ideia, que passa a ser de todos. Vencer a paixão por uma ideia fixa, não é abandonar a própria ideia, mas sim aderir as possibilidades que podem torná-la melhor, somando e gerando uma ideia nova, comum a todos. Esta é uma atitude estrategicamente eficiente.

Si Fu em seu 47º Aniversário. Foto 2016.


  Trazendo esta proposta para dentro de um cenário de combate simbólico, será através da adesão, "ouvindo" a ação do outro,  fazendo usos sucessivos das posições percebidas (posicionamento), do processo contínuo do aproveitamento dos recursos (energia), respeitando as etapas do processo, intervindo o mínimo possível para se ter êxito (timing) e identificando as condições favoráveis para que o vínculo propicie a mobilização do outro (distância), teremos um monitoramento do processo conduzido com excelência, potencializando a probabilidade de êxito.



Abertura do San Toi. Foto 2017.




O Ving Tsun Kung-Fu desenvolve em seus praticantes a habilidade de ouvir com o coração, para que as ações sejam monitoradas e direcionadas para um desenvolvimento pessoal  que se apoia na relação com o outro, ou seja , na Vida Kung-Fu.