domingo, 25 de agosto de 2019

Laços.


Si Fu e eu em seu escritório. Núcleo Barra da Tijuca.



Um dia, depois de uma conversa com meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, ele me perguntou:
-Você vai na Cerimônia de Baai Si de seus irmãos Kung Fu?
Eu respondi que sim, e com um entusiamo na resposta disse:
- Claro Si Fu, não perderia o Baai Si do Vladimir e do Thiago por nada.
 Lembro que Si Fu me respondeu:
- Roberto, não serão apenas eles a fazerem Baai Si.
Respeitosamente respondi ao meu Si Fu:
- Sim Si Fu, gosto de todos os meus irmãos, é que sou mais próximo deles dois.
Si Fu me respondeu:
- Sim, não significa menos pelos outros, mas sim mais por eles.
Já fazem alguns anos que este diálogo ocorreu e o guardo na memória com muito carinho. Meu Si Fu sempre me permitiu ser honesto na resposta, retirando o melhor dela, melhorando minha compreensão sobre meus próprios sentimentos.
  Este breve diálogo introduz bem o relato de Vida Kung Fu que faço hoje, através de alguns dos laços que criei, e aqui relato através da experiência com três irmãos Kung Fu, um pouco daquilo que vivemos juntos.

Quando iniciei a prática do Ving Tsun, no ano de 2003, meu objetivo era apenas um: aprender a lutar e me tornar o melhor possível. Com a convivência dentro do Mo Gun, ganhei muito mais do que procurava, e percebi como era pobre o meu objetivo. Uma das pessoa que ajudaram a acordar e acabar com esta minha fantasia, chama-se Vladimir Anchieta. Lembro de uma sessão de Siu Nim Tau em que eu disse que não lembrava da sequência da forma, e como era um hábito antigo meu, fazia flexões em lixa número sete (que servem para lixar barras de ferro) toda vez para me punir quando um objetivo marcial (tive passagem pelo Karate) se frustrava. Vladimir, homem de poucas, porém sábias palavras me disse:
-Depois das flexões, você lembrou da forma?
Respondi que não, e ele me disse:
-Então pratica a forma no lugar das flexões.
Começou ali, nossa amizade e a minha admiração por um irmão, que durante muito tempo chamei de homem de gelo, que não se abalava, nem durante as práticas mais duras, com golpes mais incisivos. Um homem de palavra, sempre cumpre aquilo a que se propõe, alguém a quem admiro e respeito, o pai da Valéria e do Daniel, meu irmão Kung Fu.




Vladmir Anchieta, no centro, entre mim e Thiago Pereira.



Este outro irmão é o caso clássico da cegonha bêbada, que entregou seu irmão no lugar errado. Uma afinidade imediata, desde quando me apresentou o Mo Gun quando lá pisei a primeira vez, ornamentado por bolas de gás coloridas, por causa da  comemoração do Aniversário do Si Fu. Fernando Nunes de Almeida Xavier, ou apenas Xavier como era conhecido na época, xará de X-Men, sem a cadeira de rodas, saía do bairro, berço do samba carioca, ( Madureira) de bicicleta, pedalando até o bairro de Jacarepaguá, onde ficava o Mo Gun. Criador do Dancing Biu Ji, aproveitava o ritmo do Funk para estilizar na forma de Dança o terceiro nível do Sistema Ving Tsun.
Sua percepção do Sistema, leva-o a fazer comentários que refletiam sua sensibilidade na percepção sobre o Ving Tsun ,um destes comentários lhe rendeu elogio do Si Baak Gung, Micky Chan.
Ficamos muito próximos, praticando juntos, e por várias vezes dormimos no Mo Gun. Quando íamos para casa, fazíamos o caminho a pé, eu ficava em Cascadura e ele ia até Madureira. Muito do meu Ving Tsun se alimentou neste caminho.




Eu e Fernando Xavier: Intervalo de prática Núcleo Barra da Tijuca.




Eu, ainda bem no início do Siu Nim Tau, certa vez chegando ao Mo Gun, ouvi um som que vinha do boneco de madeira (Muk Yan Jong), e lá no fundo da área de prática estava um menino magrelo, de camiseta sem manga e rabo de cavalo, batendo como se quisesse rachar o boneco ao meio. Como na época eu também era um cara "tarado" no sentido marcial da palavra, gostei do que vi.
Tempos depois estávamos eu e este jovem, dentro do Mo Gun, rindo muito ouvindo a versão satirizada da música Daileon, do seriado japonês Jaspion: "O cara tossiu/ o cara tossiu... Descobri que além de gostar de arte marcial de uma forma parecida com a minha, tinha a mesma linha do meu  humor.
Lá no passado, idos de 2003, era o "Pereira", hoje é o líder da Família Moy Fat Lei, Mestre Qualificado pela MYTMI, Thiago Pereira.
 Ele contou que certa vez nosso Si Fu disse-lhe: "Thiago você é um milagre do Ving Tsun. Você era um cara chato que só queria saber de luta".
Verdade. A palavra milagre provém de "miraculum" que significa "algo admirável". Posso dizer que a minha admiração por este meu irmão é proporcional à sua transformação. O Discípulo de número dois de nosso Si Fu, é Mestre de Ving Tsun, também versado em língua e escrita chinesa, Líder de uma Família Kung Fu no bairro do Méier, também foi meu orientador de Baai Si, além de me ajudar de muitas outras formas dentro da Família Kung Fu.




Eu (óculos escuros)  ao lado de Si Fu, observando Thiago Pereira executando o Muk Yan Jong.




Posso dizer que o Sistema Ving Tsun proporciona momentos que certamente não viveria em outro lugar. Faço deste relato sobre um pouco da minha trajetória através da convivência com alguns dos meus irmãos Kung Fu, um abraço fraterno à todos que caminham ao nosso lado. Si Fu sintetiza toda esta experiência, seu sentido e seu valor, em uma frase, uma das razões de ser do nosso Clã Moy Jo Lei Ou: Sigamos juntos!



Meu Si Hing Thiago Pereira e sua Família Kung Fu (Moy Fat Lei).

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Hai Tong.



Patriarca Moy Yat: "Kung Fu sem Hai Tong não é Kung Fu, Kung Fu que depende de um Hai Tong não é bom Kung Fu.




O pensamento chinês desde muito tempo reconhece a impossibilidade em se criar um padrão, algo que pudesse modelar a evolução natural de uma tendência. Um olhar atento, seja na direção do convívio em Sociedade, seja para aquilo que ocorre na Natureza, com ou sem a intervenção humana, nos leva a perceber como tudo, o tempo todo, varia. A migração dos pássaros, as ondas do mar, a agitação dos grandes centros urbanos, tudo, a todo tempo, está em constante variação de estado. Mesmo as mudanças mais lentas, não podem ser ignoradas, como nossa própria imagem variando no espelho com o passar dos anos.


Durante meu Baai Si: Si Fu lê meu requerimento de Discipulado. Ao fundo na foto, meu irmão Kung Fu e também Discípulo Rodrigo Moreira.



Como não é possível impedir a dinâmica deste todo nem sempre harmônico, é importante explorar ao máximo até onde vão as possibilidades de mudança, e fazer o melhor proveito disso.
Meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho nos ensina que não devemos "forçar nada", que a figura do "herói que se esforça" é na realidade uma imagem que não corresponde à do melhor praticante de Kung Fu, pois, quanto menor esforço necessário para alcançarmos o resultado favorável, melhor nosso Kung Fu.

É na atenção que dedicamos aos processos, ou seja, de como as coisas são, e todas as etapas de transformação até à chegada do resultado, será exatamente neste "durante" que devemos atuar com atenção para o alcance do melhor resultado. Este processo deve ser respeitado, não deve ocorrer qualquer tipo de manipulação para forçar uma tendência, muito pelo contrário. É saber retirar proveito das condicionantes que são oferecidas e atuar com elas, e não contra. É como um surfista: ele não briga com a onda, mas entra em harmonia com ela, tirando o melhor proveito.

É o Hai Tong, fruto da Cultura Chinesa, que buscou esclarecer de que modo através da dedicação aos processos, um fenômeno poderia ser bloqueado ou favorecido. Desta forma se obtém, através das condicionantes preparadas, o resultado desejado.
A ideia que o Hai Tong traduz, é o que podemos chamar de Sistema de variação.




Si Fu caminha ao lado de Si Taai Gung  Moy Yat, nas proximidades da casa do Patriarca de nosso Clã.









domingo, 11 de agosto de 2019

O Pai do meu Kung Fu.


Entrego o chá ao Si Fu durante meu Baai Si. Símbolo de que meu Si Fu me aceita como Discípulo. Ao fundo na foto meu Si Hing e orientador na Cerimônia,  Líder da Família Moy Fat Lei, Thiago Pereira.





Um Si Fu (Mestre Pai) é aquela pessoa que conhece Kung Fu bem mais do que você, e em consequência disso, é alguém que nem sempre dirá aquilo que você quer ouvir, mas sempre dirá aquilo que você precisa.
Não é uma tarefa nada fácil falar de seu próprio Si Fu, sempre ficará faltando muito a dizer, afinal, se trata do Mestre de diversas outras pessoas também, e cada um percebe algo sobre ele com base na relação Si-To, algo individual. E como é uma relação para a vida toda, sempre se construindo, estou certo de que a cada dia, novas páginas se acrescentam no livro da relação. Hoje escrevo sobre um pouco do muito que meu Si Fu fez e faz por mim.
Posso dizer que quando comecei na Família Kung Fu, minhas ilusões em "lutar bem" se resumiam ao combate corporal, como se eu entrasse pela tela de Cinema para ser o cara que salvava a mocinha e batia no vilão, bem clichê de filme americano. Si Fu me mostrou com o Ving Tsun como combater diversas outras lutas.






Si Fu e eu durante o intervalo em um Seminário no Núcleo Barra da Tijuca.






Meu Si Fu me fez ver que fantasia quando se fala em luta, é suicídio. Que não se faz firula, coreografia, ou se tenta adivinhar o que o outro vai fazer. É exatamente na percepção sobre o outro, respeitando o movimento que a outra pessoa faz, estando aberto para a relação, que alcançaremos um resultado de qualidade. E aí veio para mim uma das minhas primeiras conclusões sobre o Ving Tsun: eu posso aproveitar este ensinamento para qualquer coisa na vida.
Aprendi também, algo que seria impensável para mim, sem antes ter recebido seus ensinamentos: eu não gosto de luta. Durante muitos anos fiquei repetindo como um mantra que adorava luta, e quando meu Si Fu me mostrou através do Ving Tsun alguns dos os reais desdobramentos possíveis em uma luta, percebi como eu estava sendo infantil. Hoje, consigo compreender a luta de uma forma real, sem fantasia, e guardo como um momento histórico meu dentro do Ving Tsun o dia que meu Si Fu me disse: "Roberto, você não gosta de luta".







Si Fu orienta os presentes em um Seminário realizado no Núcleo Méier.





Uma outra característica marcante em meu Si Fu, está traduzida em uma conhecida frase sua: "é preciso ter um bom coração e uma péssima memória". Meu Si Fu tem uma grande capacidade em zerar ofensas recebidas em prol de algo maior, que é desenvolver o Kung Fu das pessoas. Nem sempre ele recebe a gratidão que merece, nem sempre é compreendido, mas sempre tem as portas abertas aos que lhe procuram. Aprender a zerar e começar de novo, não é fácil, o próprio Si Fu já disse várias vezes, "isso é treinado" e o caminho que trilho no Kung Fu, espero, me conduza também nesta direção, afinal, é sem dúvida, um elevado estágio de desenvolvimento humano.






Si Fu concede um autógrafo com dedicatória a mim, no livro de sua autoria intitulado: "Tao do Surf, zen e a arte de pegar onda".




Meu Si Fu possui uma leitura sobre o Kung Fu admirável. Não posso deixar de salientar que admiro muito sua capacidade de interpretar os movimentos marciais, sua técnica e sua excelência em transmissão. Por diversas vezes, só foi preciso Si Fu dizer uma única frase, para que minha compreensão sobre algo ficasse aclarada, permitindo que eu analisasse sobre, e ampliasse meus horizontes, ao repensar sobre o tema.
Em todas as minhas postagens eu tenho apresentado momentos da minha relação de aprendizado com Si Fu e esta não é diferente. Digo hoje o que sempre disse em todos os meus escritos, porém desta vez, o farei textualmente:
OBRIGADO SI FU! SIGAMOS JUNTOS!






Autógrafo e dedicatória concedidos a mim por Si Fu. 





domingo, 4 de agosto de 2019

Atuar no invisível.



Eu durante prática sábado passado. Núcleo Barra da Tijuca.




Um bom Kung Fu consegue observar no detalhe. Onde poucos conseguem ver, naquilo que não é explícito, a lente do Kung Fu consegue perceber. É um olhar cuidadoso, desenvolvido, aguçado.
Certa vez, no intervalo de um treino, meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, deu um exemplo sobre este, atuar no invisível.

O Brasil sempre foi um celeiro de craques de Futebol, e o personagem em questão do nosso exemplo é o craque Romário. Si Fu certa vez nos disse:
"Todos falam que o Romário não vai ao treino. Ele mesmo já brinca com isto, fizeram até música falando disso. Falam que ele só quer ficar jogando futevôlei na praia. Vocês já pararam para perceber o quanto de esforço é jogar na areia e como também nível de domínio de bola para poder praticar este jogo. Ele consegue um bom resultado treino, se divertindo".



Praticando com meu irmão Kung Fu, Cleiton Meireles.



Um bom Kung Fu não age no barulho. Inclusive existe a frase "uma mão mente, e a outra diz a verdade" que ilustra bem que nem sempre fica claro para o outro a intenção do artista marcial, é preciso um olhar atento, além é claro de dedicação à prática para que a sensibilidade se desenvolva. O chute do Ving Tsun, é conhecido como "chute invisível", o corpo não se move muito para a sua execução, como ocorre em chutes clássicos de vários outros estilos de arte marcial.

Atuar no invisível não é esconder o que faz. Si Fu nos diz que quando um chinês quer se esconder ele vai para o meio da praça lotada. A diferença está na capacidade de percepção. No Ving Tsun por exemplo, praticamos todos juntos, mas o alcance, a percepção daquilo que se pratica, é individual. Nada se esconde porém será a capacidade de leitura de cada um que trará a luz sobre aquilo que se apresenta para todos. Sem essa percepção, mantém se invisível até que se desenvolva o Kung Fu o suficiente para que se perceba.



Conversa entre Cleiton Meireles e Guilherme de Farias.