domingo, 23 de junho de 2019

A luta começa quando a energia acaba.



Mestre Senior Julio Camacho.



Durante muito tempo, quando ouvia a palavra luta, pensava em tudo aquilo que era necessário para que eu tivesse êxito: conhecimento do maior número possível de movimentos marciais, força, agilidade, elasticidade e acima de tudo, energia. A reunião destes elementos, pensava eu, levariam-me a ter um resultado, no mínimo satisfatório em um cenário de luta. Era uma forma de compreender a luta cercando-a de um conforto proporcionado pelas ferramentas que citei. Porém havia uma questão importante que eu sempre levantava: Um cenário que permite ter à minha disposição todos estes elementos, é de fato um cenário de luta?

Trazendo luz ao tema, meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, durante uma prática coletiva disse aos presentes, dentre os quais me incluo: " Si Gung (Grão Mestre Leo Imamura)  certa vez disse que a luta começa quando a energia acaba". Esta frase levou-me a refletir sobre o que de fato é uma luta, e se todos os elementos que eu acreditava serem necessários, seriam partes de um todo, ou apenas coadjuvantes de menor importância?


Intervalo de prática no Núcleo Barra ao lado do meu irmão Kung Fu Cleiton Meireles.


Visitando o dicionário, encontro para a palavra luta definições que apontam para o combate entre dois indivíduos até ou povos inteiros, de animais de diversas espécies por espaço e alimento, luta das pessoas por trabalho, vida digna e etc.
Há uma frase atribuída a William Shakespeare sobre lutar que me chama atenção: "Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem luta é melhor".
 Eu não leio esta frase como se este amor viesse "de mão beijada". Há aqui uma ação fora do olhar desatento, há uma arte de lutar sem lutar, há uma ação estratégica, aquela que se antecipa, reúne as condições para que os movimentos aconteçam, que as ações sejam eficientes, e ocorram sem esforço exagerado para alcançar o que se deseja, atua antes que o cenário se configure. E isso não tem nada haver com adivinhar o que virá, e sim estar aberto para interagir com qualquer coisa que aconteça.
Se não houver desconforto, não há luta. E quando a exaustão chega até nós, seja ela física ou emocional, retirando nossa capacidade de reagir da forma que faríamos em circunstâncias onde toda a nossa energia ainda está presente, quando ficamos completamente esgotados, aí a luta começa.
E será exatamente em  momentos assim que nosso Kung Fu se manifestará para nos favorecer, porque quando a energia acabar, só ele restará.
É fundamental para o praticante de Ving Tsun a convivência dentro do Mo Gun (Casa de Guerra) por ser o local preparado para que ele experimente em um cenário controlado, variadas situações de crise. É na relação com seu Si Fu que seu Kung Fu se desenvolve para atuar em todo e qualquer cenário de luta, afinal o desenvolvimento humano é antes de tudo uma arte para a vida. E não há luta maior que ela.


Voltando para casa após a prática com meu Si Hing Vladmir Anchieta. 

domingo, 16 de junho de 2019

Defenda seus valores.



Convite para o meu Baai Si: Eu relatando ao Si Fu, algumas de minhas experiências de vida Kung Fu. Foto 2016.


Quando comecei a praticar Ving Tsun, carregava algumas ilusões que considero comum aos iniciantes nas Artes Marciais. Embora não fosse exatamente um iniciante por já ter praticado por um bom período outra arte marcial, posso dizer que aquele meu novo começo tinha um ineditismo no que diz respeito à forma de interpretar o combate.
Não se tratou apenas de manifestações corporais distintas, na realidade o maior movimento de mudança que o Ving Tsun me proporcionou, aconteceu internamente. E não é um processo fácil enfrentar "demônios internos", expressão que considero a mais clara para adjetivar vícios e deformações de caráter que eu carregava, e que hoje em um grau bem menor ainda carrego. No desenvolvimento do meu Kung Fu sou constantemente desafiado a enfrentá-los.
Foi neste encontro comigo mesmo que pude desnudar minha alma, ( nenhuma menção a qualquer tipo de referência religiosa) ficando mais clara a importância em defender meus reais valores, minhas virtudes, aquilo que considero mais importante para viver bem.




Eu fixando minha foto no quadro de membros, no dia em que fui aceito na Família Kung Fu. Foto 2003.




Meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, por diversas vezes mostrou-me a importância de defender valores que não raras vezes, abandonei. Cumprir aquilo que se propõe, não por teimosia, mas por um comportamento estratégico que avalia antes a possibilidade de realização, bem como a importância de dar força às próprias palavras. Compreender a hora de agir e de parar, do esforço e do descanso, afinal, o Kung Fu não é uma estrada rumo ao heroísmo, pelo contrário, é um caminho para agir com maior qualidade e menor esforço possível, é ser inteligente.
Encontramos diversas barreiras na vida, e não raro, fazemos aquilo que não queremos, vivendo de uma forma que não nos faz feliz, e não encontrando resposta para nossos desafios. Ao praticar o Ving Tsun percebi coisas em mim que ainda não havia parado para perceber, um processo ao mesmo tempo duro e enriquecedor. Pude colocar diante de mim um "espelho" onde vi coisas que gostei e outras não, e aprendi muito com isso, na verdade continuo aprendendo, mas isso não foi o principal. Foi
exatamente diante de minhas limitações, que passei a girar a lente do meu novo olhar, agora mais atento, para meus valores pessoais. Ficou mais claro sobre a importância de atender minhas necessidades, meus desejos, fossem eles imediatos ou não, e até meus sonhos, ou seja, o conjunto de valores que me fazem desenvolver, uma forma eficaz de me fortalecer como ser humano.
 Encontramos na vida diversos "vampiros ideológicos" que tentam desviar-nos daquilo que realmente nos torna pessoas melhores, e se estivermos fracos, caímos na armadilha. Com a prática do Ving Tsun  aprendi a dizer sim àquilo que é importante para mim, a dizer não quando for preciso, e a defender meus valores para fazer por mim algo que só eu posso fazer: ser feliz.




Momento de descontração no Núcleo Barra da Tijuca:: Rubia, Fernando, eu e Thales. Foto 2019.




                                                              
                                   




domingo, 9 de junho de 2019

Sobre estarmos juntos.



Si Fu com três de seus Discípulos: Pedro Ivo, Thales Cabral e Roberto Viana (da direita para a esquerda).




Há uma frase de meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, que  é uma boa chave de leitura para compreender o espírito que move o Clã Moy Jo Lei Ou. Antes de citar a frase propriamente dita, vou apresentar a minha compreensão sobre a importância dela como uma súmula de nosso Clã.
A força de uma Família Kung Fu está na sua unidade, mesmo, obviamente, contendo pessoas diferentes, em praticamente tudo: altura, peso, idade e principalmente, personalidade. Em muitos lugares poderíamos falar em difícil convivência, mas aqui temos algo diferente. Existe um objetivo comum a todos que é o crescimento de seu próprio Kung Fu, e neste aspecto, quanto maior a diferença, melhor o resultado. O praticante de Kung Fu vivencia um grande número de emoções boas e ruins, e toda a experiência entra como aprendizado, nada é perdido. Com a orientação de nosso Si Fu, transitamos por diversos cenários, e cada um conta igualmente, não há bom ou ruim, só há experiência.



Dai Si Hing Leonardo Reis e Clayton Meireles durante prática no  Núcleo Barra da Tijuca. 



É preciso perseverar porque o caminho não é curto, muito menos fácil. E nem deve ser, afinal são desafios que nos colocam diante do nosso máximo, que aumentam nossa capacidade de responder melhor à circunstâncias que antes, poderiam nos levar ao desespero.
A importância de estarmos juntos como irmãos Kung Fu em todo este processo, é entre outros motivos, o fato de que não há como desenvolver humanidade sozinho. É na relação com o outro que podemos compreender melhor nossas reações através dos estímulos externos. Como já disse é uma estrada longa para se caminhar sozinho.
A frase do meu Si Fu "sigamos juntos" para mim é a luz que ilumina minha estrada, rumo à conclusão do Sistema Ving Tsun e para além dela.



Irmãos Kung Fu: Roberto Viana, Rubia Barbosa e Fernando Xavier.




domingo, 2 de junho de 2019

Alinhar o discurso à prática.






Si Fu ministrando o Seminário de Alinhamento Teórico do Programa Fundamental. Foto 2019.




Um dos maiores desafios em praticar o Ving Tsun, na minha opinião, é que ele desnuda as nossas fraquezas, nos põe frente a frente com nossos vícios mais íntimos. Diversas vezes, saí do Mo Gun me sentindo muito mal, com uma sensação de fracasso, ou como se fosse colocado diante de mim um espelho que fosse capaz de fazer ver coisas em mim que eu, não queria assumir, que simplesmente desejava ignorar, como se quisesse continuar infantil, mesmo sendo já homem adulto.
O desenvolvimento do Kung Fu em muitos aspectos é doloroso, porque te estimula a abandonar comportamentos que muitas vezes servem de fuga, e em um Mo Gun (Casa de Guerra) fugir quase sempre não é a melhor opção.
Algo muito comum que podemos perceber na maioria das pessoas é a falta de alinhamento do discurso com a prática. Quantas vezes dizemos ou ouvimos de outras pessoas, que certas ações serão realizadas e, ao final o resultado é que o que se diz, não se faz.
O primeiro nível do Sistema Ving Tsun, o Siu Nim Tau desenvolve no praticante o foco. Quando focamos em um único ponto, estamos atentos a ele, agimos em função dele. Quando desenvolvemos o foco e passamos a aproveitá-lo como uma ferramenta para tudo o que fazemos, desenvolvemos a capacidade de alinharmos nosso discurso às nossas ações. Isso é essencial para alcançarmos melhores resultados, é uma postura estratégica.




Si Fu observa a mim e a meu orientador, Si Hing Thiago Pereira, Líder da Família Moy Fat Lei, durante sua fala em minha passagem de nível para o Luk Dim Bun Gwan. Foto 2018.




Alinhar discurso e ação é, antes de tudo, respeitar a si próprio, dando às próprias palavras a força motriz para as ações, é uma forma de expressão pessoal onde o respeito por si próprio é personificado neste alinhamento. Não se trata de uma forma orgulhosa de manter a palavra a qualquer preço, ou ser teimoso e não mudar de ideia, muito pelo contrário. Quando um praticante de Kung Fu alinha seu discurso às suas ações, ele mediu antes o alcance delas, suas condicionantes e consequências, e se necessário, fará os ajustes que julgar importantes durante o processo de execução. Alinhar o discurso à ação é um trabalho de foco.





Conversando com Si Hing Fernando Xavier durante no intervalo do Seminário de Alinhamento Teórico do Curso Fundamental. Ao fundo na foto Guilherme de Farias (braços cruzados) e Cleiton Meireles.