segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Kung Fu e a dimensão do Ser.


Si Fu e eu, presentes no Jantar de Convite para o Baai Si de Vitor Sá da Família Moy Fat Lei. Foto 2017.




Meu Si Fu, Mestre Senior Júlio Camacho, nos conta sobre a história de um Monge que, durante sua meditação, vê adentrar um ladrão em sua casa, porém este fato não perturba sua prática. O ladrão revira a casa em busca dinheiro e o Monge diz:

- O dinheiro está na segunda gaveta em meu quarto.
Surpreso com a postura do Monge, o ladrão vai ao local indicado e retira todo o dinheiro. Quando estava de saída, o Monge diz ao ladrão:
-Hei! você não vai deixar um pouco de dinheiro para mim?
O ladrão mais uma vez surpreso, deixa uma pequena parte do dinheiro. Quando o ladrão estava de saída, o Monge diz:
-Hei! Não quer levar roupa para você?
O ladrão volta pega toda a roupa e o Monge diz:
-Hei! Você não vai deixar um pouco de roupa para mim?
O ladrão, ainda sem compreender a atitude do Monge, deixa um pouco de roupa e vai embora.

Dias depois o ladrão é preso, vestido com as roupas do Monge. Chamado pela polícia para reconhecimento o Monge diz que o ladrão não roubou, na verdade tanto o dinheiro quanto as roupas foram doadas. Por se tratar de um criminoso contumaz, o Monge não conseguiu absolver o ladrão, que ficou anos preso.
Durante o tempo que ficou preso, o ladrão não conseguia deixar de pensar na razão pela qual o Monge havia agido daquela forma. E nunca conseguia uma resposta. Depois de cumprida a pena, assim que saiu da prisão, o ladrão procurou o Monge e perguntou:

- Por que eu entrei em sua casa para lhe roubar e você não resistiu e, pelo contrário, indicou onde estava o dinheiro, me ofereceu roupa, e quando fui preso, você ainda me defendeu?

O Monge respondeu:

- Você não é diferente dos meus Discípulos. Eles vem aqui apenas para tirar algo de mim, meu conhecimento, e depois vão embora e não deixam nada para mim. É preciso deixar um pouco.

Depois deste diálogo, o ladrão serviu o chá, símbolo de que a partir daquele momento se tornaria Discípulo do Monge.

A humanidade tem a cada dia buscado viver mais a dimensão do ter, e cada vez menos a dimensão do ser. Aquele que tem, possui apenas as coisas, bens materiais para sua subsistência, para o seu conforto e bem estar pessoal. Porém, aquele que é, vive a sua humanidade de forma plena, tem consciência de seu próprio valor, e sabe da importância que há na relação com as pessoas.



Si Fu ao lado de Si Gung, tendo à sua frente Si Baak Gung Miguel Hernandez e sua esposa Si Baak Gung Mo Melinda Hernandez . New York City, USA. Foto  2017.



O Kung Fu ajuda a desenvolver no praticante sua Humanidade Plena, por esta razão não deve ser limitado em uma relação meramente comercial, onde o aluno paga e o Mestre recebe para transmitir conhecimento. Para que o Kung Fu se materialize em um processo de desenvolvimento humano, ele deve ser vivenciado, e para isto é fundamental que este desenvolvimento do praticante floresça, cresça e ganhe estrutura através de uma relação onde Mestre e Discípulo desenvolvam laços através de Vida Kung Fu.
 Quando da vinda de meu Si Gung, Grão Mestre Leo Imamura por ocasião das comemorações de 25 Anos de Vida Kung Fu de meu Si Fu, ele disse aos presentes durante uma prática no Núcleo Barra: "Ele é meu parceiro" no sentido de que meu Si Fu não apenas buscou o seu conhecimento com seu Mestre, mas que ele se tornou algo muito maior: de que junto à Grão Mestre Leo Imamura, Mestre Senior Julio Camacho é um zeloso guardião do legado de Patriarca Moy Yat para a preservação da transmissão pura e completa do Sistema Ving Tsun.



Si Fu e Si Gung diante do San Toi . Núcleo Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.



O conhecimento tão desejado pelo To Dai é adquirido em um processo de convivência, onde a relação de zelo com seu Si Fu trará algo muito maior que a busca pelo conhecimento: representará uma verdadeira relação de identidade, onde o To Dai torna-se a cada dia mais próximo por aquilo que aprendeu com seu Si Fu. É uma relação eterna, que deve ser ligada pelo coração.