quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Sau: Sintonia da relação.





Si Fu orienta alguns de seus To Dai em transmissão ao vivo.




Meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, reuniu alguns de seus To Dai na noite de ontem para em uma transmissão via internet, realizarmos um Encontro Temático, no qual sugerimos temas, e Si Fu nos orientou sobre eles. Neste blog, exponho um pouco daquilo que compreendi sobre um dos assuntos propostos.

No Ocidente, a palavra obedecer remete à ideia de que alguém está submetido ao império da vontade de outro, não questiona, não adere à ideia por vontade própria, apenas aceita a imposição, seja pelo motivo que for. 
No pensamento clássico chinês, o  ideograma  sau  ()nos remete também à ideia de obedecer. Ele é revelador do quanto este pensamento atribui um sentido diferente do pensamento ocidental.
A ideia de Sau, surge em uma etapa preliminar ao processo religioso do Budismo, onde a transmissão se dá em silêncio, razão pela qual, o Sau se dá através da sintonia da relação. 
Longe de ser algo passivo, ele é na realidade uma atitude estratégica, baseado a relação, na escuta, adesão e aproveitamento daquilo que é transmitido.




O chá simboliza conhecimento. Ao entregar o chá ao seu Si Fu, o Daai Ji entrega o conhecimento sobre si mesmo.




As sociedades ocidentais tem em geral um comportamento reativo: não se preocupa em "ouvir até o fim", aceita ou recusa uma  proposição "ouvindo pela metade" perdendo muitas vezes o real sentido da transmissão.
O "obedecer" no pensamento chinês é na realidade um processo de aprendizado, onde aceitar de coração a transmissão a ponto de ob (a partir de ) audire (escutar) é ir além de uma atitude passiva de aceitação sem questionamento. É na realidade um comportamento proativo, onde na relação estabelecida, há um comportamento receptivo, que tira proveito da transmissão. Não se obedece estritamente à alguém, mas sim àquilo que da própria relação suscita. 





Ng To Tao Tei: a reverência aos ancestrais na presença de seu Si Fu representa a confiança na relação.


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Sempre foi sorte.



Si Fu e eu, em seu Aniversário de 50 Anos. 




Há uma forte tendência nos dias atuais, capitaneada por obras literárias, vídeos e palestras, os mais diversos, apontando para uma lógica de modelo. São "fórmulas" apresentadas como se fossem respostas prontas para situações nos ambientes de trabalho, família, estudos e etc. Uma espécie de "regra do bem viver" onde quase tudo pode ser catalogado e decodificado para que, agindo de determinada forma, a pessoa consiga atingir bons resultados, independentemente de qualquer coisa, inclusive da sorte.
O pensamento chinês, ao contrário, aponta para a sistematização. Reconhece a impossibilidade de modelar a evolução natural de uma tendência, afinal, a vida é um fenômeno constantemente mutável, razão pela qual trabalha-se com as variáveis, ou seja, ao invés de se empenhar em extrair traços comuns considerados mais ou menos fixos, o pensamento chinês elaborou um sistema de diferenças.
Na essência do pensamento chinês, está a frase que ouvi de meu Si Fu: "sempre foi sorte". Não controlamos todos os eventos que a dinâmica da vida nos apresenta, na realidade é até ingenuidade pensar que alguém possa fazer isso. Mas o que uma pessoa de Kung Fu enxerga é a tendência que determinado evento apresenta, e como meu próprio Si Fu também já disse: "isso é treinado".





Si Fu no Núcleo Barra, ao meu lado e de meu irmão Kung Fu, Marcos Leiras. Em minhas mãos os dizeres: Aderir, Aproveitar, Aprimorar, autografado para mim por Si Fu. 



A prática do Ving Tsun aguça a nossa percepção sobre as oportunidades, e estas são vistas não como boas ou ruins, afinal não há aqui uma lógica de resultado e sim uma lógica de desenvolvimento, que aproveita todo qualquer resultado como material de aprendizado, ou seja, um resultado considerado bom, será inútil se não vier acompanhado de um aprendizado, ao passo que, um resultado considerado ruim, pode ser aproveitado quando se aprende com ele.

Si Fu disse certa vez: "Sempre está bom. Se estiver ruim, é porque em algum nível, o seu Kung Fu está falhando". Aproveitando esta frase como chave de leitura para o meu desenvolvimento, fica claro para mim o quanto eu não posso controlar as "sortes da vida", apontem elas para o sucesso ou fracasso, mas o quanto um homem de Kung Fu pode, apoiado nas variáveis, refinar suas ações baseado em um sistema das diferenças, adaptando-se ao que vier, extraindo disso o melhor que puder. Afinal, em toda a História humana, para onde quer que a vida tenha apontado, sempre foi sorte.





Si Fu reúne o Conselho de Discípulos. Núcleo Barra da Tijuca, Janeiro de 2020.