segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Para onde aponta a faca.


                                               Eu posando com o Do. Núcleo Ipanema. 2020.



 Durante a minha vivência dentro do Sistema Ving Tsun, uma verdade sempre volta para me desafiar. Para compreender melhor sobre o que é esta verdade que eu estou me referindo, vou resgatar uma frase que ouvi de meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho: "Ving Tsun é para qualquer pessoa, mas não é para qualquer um." 

A dedicação para o desenvolvimento do Kung Fu não envolve apenas movimentos corporais ou uma habilidade física. A compreensão sobre si mesmo, sobre seus limites, a leitura de suas competências e inabilidades, o poder de gerar um distanciamento traduzido em um olhar atento aos cenários, que não comemora a vitória e nem chora o fracasso, é um caminho que qualquer um pode trilhar. Mas precisa querer. E este desejo envolve entre outras coisas muitas renúncias, e quase todas, são personificadas em lutas internas. Eu vejo que o Sistema Ving Tsun coloca um espelho diante de mim, para que eu me reconheça e veja tudo aquilo que sou, goste ou não daquilo que vejo.



  Foto após a Prática da Familia Jo Lei Ou, Unidade Tijuca.



Meu Mestre diz que um Si Fu sempre espera. E não é uma atitude passiva, é como alguém que lança uma semente e vive a esperança do germinar e crescimento da árvore. Se eu como Discípulo, sou uma árvore em potencial, cabe a mim aproveitar a boa terra, o bom agricultor, o adubo, a água e a luz do sol, que representam tudo aquilo que meu Si Fu faz por mim. Da mesma forma, o meu crescimento não é passivo, afinal boa árvore deve dar frutos, e um Discípulo (pelo menos é a forma que compreendo) deve representar da melhor forma que puder o bom nome de seu Mestre.

No Nível Baat Jaam Do, devemos a todo momento estar com a faca apontada para a direção correta. Uma arma simboliza a morte, e se ela está na direção errada, a do oponente pode não estar. É um grau de precisão que não admite erro, é um cenário onde simbolicamente, é matar ou morrer o tempo todo. É a constante cobrança de níveis de atenção e de precisão desafiadores. 

E como eu afirmei no início da postagem, que no Sistema Ving Tsun, há uma verdade que sempre volta para me desafiar, apenas o mergulho dentro de mim mesmo será capaz de responder mais uma vez a este desafio, a encontrar esta verdade, e certamente desta vez, o mergulho será bem mais fundo. E novamente, cada vez mais, ao encontrar comigo mesmo, com tudo que eu tenho, de bom e ruim, vou me reconhecendo a cada dia, mais e mais, na frase de meu Si Fu.

 Sendo eu uma pessoa qualquer, mas não sendo qualquer um.  

 


    Meu Si Fu me orienta durante o Convite para o meu Discipulado. 




terça-feira, 25 de agosto de 2020

Irmãos Kung Fu.


Aniversário de 50 Anos do Si Fu: eu com dois irmãos Kung Fu: Thiago Pereira (ao meu lado) e Rodrigo Moreira (à frente).



 A civilização Ocidental, com sua Cultura majoritariamente  judaico-cristã, incutiu como um valor de que todos os seres humanos são irmãos, devendo cultivar uma fraternidade universal. 

Vindo do Oriente, o estudo dos Sistemas Tradicionais de Kung Fu, traz termos como irmão mais velho (Si Hing), mais novo (Si Dai) e suas respectivas variações no feminino (Si Jeh e Si Mui). Por se tratar de outra Cultura, é natural que apresente uma visão diferente sobre como as relações são irmanadas dentro de uma Família Kung Fu. Neste Blog faço uma breve introdução sobre este tema. 

O (a) irmão (a) mais velho(a), Si Hing ou Si Jeh, são pessoas que chegaram antes na Família Kung Fu, "nasceram mais cedo." Quem chega primeiro tem acesso antes ao conteúdo do Sistema, e tem a responsabilidade de cuidar dos que chegaram depois. Embora seja uma responsabilidade em uma Família Kung Fu ela é totalmente voluntária, ou seja, você é Si Hing ou Si Jeh por ter chegado primeiro, isto é fato, mas o que esta posição dentro da Família Kung Fu significa para você, é de aceitação livre, depende unicamente de como o praticante deseja desenvolver a forma com a qual irá se relacionar com os demais. 

A relação principal dentro de uma Família Kung Fu se estabelece entre seu Mestre e você, em meu caso, meu Si Fu Mestre Senior Julio Camacho, e eu.  É a partir daí que meu Kung Fu irá se desenvolver. A partir deste marco inicial da relação individualizada, o To Dai se irmanará com os demais, e todos se apoiarão e se desenvolverão juntos. 



Depois de um sábado de prática: Ao sairmos do Mo Gun, eu e meu irmão Kung Fu Vladmir Anchieta.


O local de prática de uma Família Kung Fu, chamado Mo Gun (Casa de Guerra) é um cenário preparado para o desenvolvimento de cada praticante. Nele experimentamos diversos estímulos corporais, com o potencial de gerar nosso desenvolvimento. Para esta experiência, é fundamental que aqueles estímulos sejam proporcionados por um número maior possível de pessoas. Serão com as múltiplas experiências que desenvolveremos a capacidade de perceber o outro, saindo da resposta pronta, e atuarmos diante de cada estímulo da forma adequada ao que se pede naquele momento e naquela circunstância específica.

Toda e qualquer relação é alicerçada naquilo que cada um que a compõe traz para ela. Em particular, procuro ser um Si Hing e um Si Dai (tenho as duas posições na Família Kung Fu de meu Si Fu) pronto para colaborar, aprendendo e transmitindo com tudo aquilo que tive acesso. A melhor forma de me aperfeiçoar é dividindo o conhecimento que recebi, e de forma pura e legítima, respeitando os limites e potenciais existentes em cada pessoa, esvaziando ideias próprias, respeitando a pureza do Kung Fu de cada um.  

O meu crescimento como pessoa reside naquilo que consigo melhorar em minha essência, não preciso ser outra pessoa, e sim potencializar aquilo que eu tenho de melhor,  e este desenvolvimento se personifica através da relação que estabeleço com os outros, e em particular dentro de uma Família Kung Fu, daquilo que extraio da relação com meu Si Fu e meus irmãos Kung Fu. 




Si Fu, eu e dois irmãos Kung Fu: Thales Guimarães (no centro da foto) e Pedro Ivo.  

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Morte.











Uma frase dita pelo meu irmão Kung Fu Guilherme de Farias, na prática de hoje sobre as facas do Ving Tsun, me fez lembrar de uma citação presente no Bhagavad Gita: "Eu me tornei a morte, o destruidor de mundos."
Meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, já nos disse algumas vezes: "arma não é para criança (...) a atitude mental deve mudar." Em outra ocasião disse: "a luta começa quando a energia acaba." E chegamos ao Baat Jaam Do. 
E a frase dita pelo Guilherme: "as facas são armas de morte." Um movimento deve definir tudo, e não há espaço para erro ou hesitação. Aquele detalhe ou aquele passo mal dado, qualquer coisa, o mínimo que seja, só te oferece um resultado: a morte. Ela é evento único, não há substituição ou segunda chance. A definitividade deve estar presente em tudo, e a mente flutuante, é o passaporte para o fim; a atenção em cada movimento em cada detalhe determinam quem é você dentro de um cenário onde tudo tem caráter definitivo. 
Um nível que te apresenta este cenário, não permite confusão de sentimentos. Aqui não cabe tristeza por não conseguir, raiva por não acertar, nem medo de errar. Aqui só há espaço para o estudo cada vez mais preciso, e compreender a morte em um cenário de prática como este, sem dúvida é desafiador e fascinante.
Poucos desafios se impõem com tanta força como abraçar a morte em um cenário de estudo e perceber que você nunca sairá diferente dele. 
A dedicação, a busca da compreensão de cada ponto, que cada detalhe fará a diferença entre matar ou morrer. Quando este espírito incorpora a prática, fica de lado a atitude tola de uma coreografia de movimentos e entra a necessidade de compreender a fundo porque cada movimento está ali, desencadeado daquela forma. 
É a diferença entre matar ou morrer. 

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Leitura dos passos.


Eu, e meus irmão Kung Fu, Guilherme de Farias(de pé) e Cláudio Teixeira.




 Meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho nos fala da importância que há em estar atento com os próprios movimentos. É na atenção a tudo que realizamos com nosso corpo, na conexão entre cada parte, formando um todo harmônico, que está a diferença entre praticar Kung Fu ou apenas repetir gestos coreografados. 

A atenção especial ao próprio corpo e às conexões que ele realiza para a execução de cada movimento, é um caminho que aponta  na direção do auto conhecimento. Afinal, é comum que façamos diversas atividades cotidianas com um automatismo que não raro, furta a qualidade daquilo que fazemos, ações que repetem apenas os gestos universais, não pensamos, não atuamos de fato, apenas reagimos aos estímulos. E entrar neste espiral de massificação é uma viagem que nos leva para longe de nossa essência. Paramos de oferecer ao nosso corpo os estímulos que possam colocá-lo em diálogo com as diversas partes que, reunidas, formam o todo que somos nós, não percebemos nossos membros reagindo em um conjunto desarmônico, o que significa desconhecermos a nós mesmos. 



A prática do Kung Fu retorna o nosso olhar, nossa atenção para dentro, para que possamos ver melhor para fora, e começamos a perceber quais são as conexões internas que fazemos e que não há separação de corpo e mente como popularmente se propaga, que na realidade, somos uma unidade que precisa interagir com o meio externo como uma unidade harmônica e equilibrada. Para alcançar este objetivo, o praticante desenvolve seu Kung Fu a partir de um Sistema que apresenta uma listagem que irá orientá-lo. 

De posse daquilo que o Sistema oferece, o praticante irá desenvolver-se encontrando um auto conhecimento a ponto de, com o passar dos anos de prática, libertar-se do próprio Sistema que lhe serviu de base ao desenvolvimento. E ao encontrar sua expressão pessoal, poderá o praticante dar ao próprio Sistema que o auxiliou em sua preparação, a contribuição de sua leitura apurada de algo que, sabidamente, o transformou em si mesmo.  



  

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Andar na linha.



Si Fu demonstrando com as facas do Sistema Ving Tsun. 





Existe uma anedota que diz: "o último homem que andou na linha, o trem matou." Agora quando o assunto é Kung Fu, mais especificamente Baat Jaam Do, saber medir e alinhar seus passos, onde pisar, o "andar na linha" é sinônimo de atuar com precisão.
Meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho me disse quando iniciei as armas do Ving Tsun no nível Luk Dim Bun Gwan: "Roberto, quando você pratica com armas a sua atitude mental deve ser outra (...) armas não são para crianças."
No nível Baat Jaam Do, tenho nas mãos duas facas, cada uma do tamanho do meu antebraço, com as quais devo fazer movimentos precisos, pois há uma clara leitura de que, diante de um oponente igualmente armado, o acerto ou o erro podem ser a diferença entre a vida ou a morte.
Nunca o ditado popular "é preciso saber onde pisa" fez tanto sentido para mim como agora. Os movimentos com as facas devem ser precedidos de um exercício interno de auto percepção dentro daquilo que um cenário de combate simbólico representa, e nunca antes a minha atitude mental esteve tão próxima do que chamamos de premência de morte.




Si Fu e Discípulos durante prática do Baat Jaam Do. 




Em uma outra oportunidade ouvi de meu Si Fu: "Com a prática do Baat Jaam Do, você decide, matar, morrer ou não fazer nada." São decisões acompanhadas de consequências extremas, sem margem para segunda chance. Este cenário exigirá síntese de minha decisão, não há muito tempo para divagar na resposta, ela deve ser imediata e precisa.
Como os passos em uma linha.





Si Fu e eu. Seminário Teórico do Nível Fundamental.