segunda-feira, 29 de junho de 2020

Kung Fu e o tempo.




Si Fu caminhando ao lado de Si Taai Gung Moy Yat.






"E como o tempo não tem, nem pode ter consistência alguma, e todas as coisas desde o seu princípio nasceram juntas com o tempo, por isso nem ele, nem elas podem parar um momento, mas com perpétuo moto, e resolução insuperável passar, e ir passando sempre".


Pe. Antônio Vieira.



                                                                                                         
 Em seu livro intitulado "Sobre o tempo", o Sociólogo judeu-alemão Norbert Elias, introduz o assunto falando sobre um ancião que respondia saber o que era o tempo quando não perguntavam o que ele era, e quando perguntavam, ele não sabia.
Os relógios são apenas recursos mecânicos capazes de mensurar divisões que nomeamos de segundos, minutos e horas, um procedimento artificial para tentar dar uma padronização a algo que não tem cheiro, não tem gosto, não se toca, nem se vê através de cores. Algo que apenas acontece. Assim como o vento toca nosso rosto mas não podemos segurá-lo, assim é o tempo, se manifestando em nós, deixando em cada um a sua marca.
O que o meu Kung Fu me diz sobre o tempo? Qual a relação que estabeleço entre ele e o meu desenvolvimento?
Em um dos Eventos de nossa Família Kung Fu, meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, foi questionado com a seguinte pergunta: "Mas o que a gente faz em momentos tão ruins como este?" Ele respondeu: "Nunca está ruim. Quando não está bom, é porque, de alguma forma, seu Kung Fu está falhando."
A resposta de meu Mestre é uma chave de leitura para percebermos a medida do quanto estamos comprometidos com nossa própria vida, em todos os momentos. Qual a nossa capacidade de percepção dos fatos, o movimento responsável que fazemos, a leitura sobre a dinâmica dos acontecimentos, de que a todo momento o cenário muda, as coisas surgem com suas velocidades próprias, e o quanto estamos atentos para tirarmos proveito dos fatos, estabelecendo ações de qualidade, e não sermos vítimas deles.
Um Kung Fu maduro não culpa o que acontece, não se assusta com bater forte da onda, pelo contrário, pega sua prancha e vai surfá-la. É sensível aos acontecimentos, não entra em conflito com  eles, e como um navegador experiente, não enfrenta os ventos, apenas ajusta as velas.





Si Fu e Si Gung Leo Imamura durante Seminário no núcleo Barra da Tijuca.




O tempo no Kung Fu, não é o tempo do relógio, e embora seja fato que se demandem anos para alcançar um desenvolvimento elevado, mais importante que o tempo que se passa praticando é a qualidade do esforço empregado neste mesmo tempo, que fará a diferença.
Aqui faço questão de repetir: "qualidade do esforço", porque será essa qualidade, essa busca da excelência, que fará toda a diferença no tempo empregado, e porque acima de tudo, um bom praticante de Kung Fu se esforça para não fazer força, ele atua com um esforço inteligente.
 Não se trata de ser melhor ou pior do que alguém, ou de se conseguir um resultado mais rápido ou mais lento, o diferencial aqui está no compromisso de se empregar o tempo da melhor forma possível, dentro daquilo que cada um é capaz, afinal, o Kung Fu não é objeto de comparação, é uma construção individual.
Assim como no livro que citei no início da postagem, não tenho a resposta e nem sequer a ambição de um dia conseguir responder sobre o que é o tempo, porque na realidade o que tenho recebido do meu Kung Fu, é apenas uma lente que vai ficando dia a dia mais potente para que eu possa enxergar, cada vez melhor, não o que é o tempo, mas aquilo que devo fazer com ele.





Si Fu e eu, durante a Celebração de seus 50 anos.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Cui bono?


Si Fu desenvolvendo projeto. Foto 2019.




Meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, durante a prática de hoje nos trouxe a reflexão sobre um brocado latino, "cui bono?" que significa "a quem beneficia?"
A partir deste seu ensinamento, ele dividiu conosco que a nossa Arte, o Ving Tsun, não é uma estrada na busca de um proveito efêmero das coisas. É um caminho construído com o compromisso para a realização de um benefício que seja duradouro, e por esta razão, é importante saber esperar o momento adequado para agir.
A atitude responsável, que inclui o zelo pelo outro, é fundamental para que alcancemos uma compreensão apurada de nossa arte. Não raro, é necessário abdicarmos de nossos desejos imediatos, ainda que legítimos e totalmente lícitos, em nome de um bem maior, que alcance à todos. E é aí que a figura do líder se mostra fundamental para a correção de rumo.
Um dos maiores ganhos que o Kung Fu oferece, é a arte de escutar. Ela não se resume apenas em uma capacidade auditiva, o quanto de decibéis você alcança. Não é isso. A escuta no Kung Fu vem através da abertura para aceitar novas propostas, sem resistir, apenas escutando e aproveitando o que é oferecido. Assim você absorve e não raro aperfeiçoa a ideia com base naquilo ouviu.
Quando você desenvolve esta competência, adquire a sensibilidade para perceber de que forma suas ações podem gerar maior benefício.




Si Fu fazendo uma demonstração com o Tutor Guilherme de Farias, observado pelo Tutor André Guerra.





Em um cenário de luta corporal por exemplo, é fundamental perceber o outro e agir em função daquilo que ele te oferece, sem desejos anteriores, sem "plano de voo". Apenas observe, aceite o que vem, o que o cenário apresenta, perceba-se como elemento do todo, assim você terá muito mais material avaliativo para dar uma resposta adequada.
Quando meu Si Fu falou hoje para nós sobre o brocado latino, título desta postagem, lançando luz sobre  nossas ações, para que elas sejam sempre alicerçadas em um pensamento projetado com propostas cirurgicamente analisadas, capazes de avaliar possíveis cenários e aquilo que se pode retirar de cada um deles, além de reafirmar sua responsabilidade como nosso líder, ele mais uma vez educou o nosso Kung Fu, para que um dia possamos exercer futuras lideranças.






Si Fu e Si Mo em visita ao Núcleo Ipanema.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

O Caminho do meu Kung Fu.



Foto presenteada por Si Fu: Sessão de hoje do Nível Superior Final.




Quando meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, me admitiu no Nível Superior Final, suas palavras me tocaram o coração de uma forma muito especial.
Disse meu Si Fu: "Roberto estou fazendo junto com você uma aposta. Estou apostando em nós. Se os dois quisermos, não podemos perder."
Os níveis de um sistema de Kung Fu são como os cômodos de uma casa; você não passa por eles, você reside em todos eles, e com o tempo vai se tornando tão íntimo que o seu próprio espírito estará diluído no local que habita, ou como se diz por aí, ele terá a sua cara.
A aposta de meu Si Fu é também a minha, de estudar com mais profundidade cada Nível, mais que revisitando-os, habitando em cada um deles, com minha leitura, com minha identidade, com meu Kung Fu.




Relatando aos presentes um pouco da minha experiência de Vida Kung Fu ao lado de meu Si Fu.




No Baat Jaam Do fazemos uso das facas, e armas não são para crianças. Um Kung Fu adulto reconhece seus limites, e não se envergonha deles, mas estabelece um compromisso pessoal para transpor a cada um. Penso ser este um bom caminho para se alcançar a Mestria.
E o que há de principal, de mais profundo em tudo isso, é a relação que estabeleço com meu Si Fu. Mesmo com todas as minhas fraquezas, todos os meus medos, todos os meus vícios, ele sempre me deixou as portas abertas, e lançou uma compreensão sobre mim, que muitas vezes nem eu mesmo tinha. Ter o coração aberto para perceber que a relação Kung Fu vai para muito além de uma boa posição do punho, é algo que só o tempo e a proximidade permitem, é algo que experimentamos na Vida Kung Fu.
Meu Si Fu diz, que para acontecer o desenvolvimento do Kung Fu, é importante esperar e respeitar o tempo de cada pessoa, e agora depois de alguns anos, vejo que o meu tempo chegou, através do firme propósito de fazer o meu melhor.
E com tudo isso, sobre o que eu era, o que sou, e ainda serei, tenho a plena consciência de que não conseguiria chegar a todas estas conclusões sozinho.
 Meu Si Fu sempre apostou em mim, e suas palavras no dia da minha passagem de Nível, apontam na direção da construção do meu Kung Fu.




Foto Oficial:  Si Fu e Si Mo (Sra. Márcia Moura Camacho) por ocasião de minha passagem de Nível para o Baat Jaam Do.





segunda-feira, 8 de junho de 2020

Fazer o melhor com o que se tem.


Si Fu me observa durante a minha Cerimônia de Discipulado. De pé meu orientador, Si Hing Thiago Pereira.




Você já deve ter ouvido de algumas pessoas, provavelmente até de si mesmo, sobre não estar preparado para realizar algo em determinado momento da vida.
Os motivos que encontramos são os mais variados: "aconteceu de repente", "não era a hora disso acontecer", ou até mesmo "que falta de sorte!" 
Diante de um desafio que se apresenta em nossa vida, em um momento que não esperávamos, o que pode a experiência de Vida Kung Fu nos dizer sobre isto? 
Um homem de Kung Fu se dedica a refinar tudo aquilo que faz, buscando realizar com excelência toda e qualquer ação. Não procura executar com refinamento apenas assuntos mais complexos, pelo contrário, fazendo daquele uma prática diária, inclusive sobre situações cotidianas consideradas banais, que muitas vezes outras pessoas executam com automatismo, o praticante apura o seu  Kung Fu, afinal quem realiza algo simples com alto grau de refinamento, tem a disciplina para transformar toda e qualquer ação, alicerçada na qualidade que tem como um hábito.
Longe de ser um comportamento adestrado, rígido e inflexível,  o homem de Kung Fu aceita as transformações que se apresentam e por esta razão, enxerga-se como parte do todo, não manipula o cenário, mas ajusta-se a ele, não se nega à experiência, abre-se à ela sem preconceito, sem a pretensão de oferecer além daquilo que pode, ele vai com aquilo que ele tem, fazendo o seu melhor. 
Quantas vezes não nos recusamos a fazermos algo, nos julgando incapazes, acreditando não estarmos preparados para o desafio que se apresenta?
 Se idealizarmos como deveriam ser nossas ações, para além daquilo que podemos concretizar, sempre estaremos diante de um pensamento extremamente crítico, apontando para a nossa incapacidade de realização. 





Recebendo de meu Si Fu meu broche de Discípulo.





A vida Kung Fu é uma experiência relacional, na qual o praticante, orientado por seu Si Fu, desenvolve sua humanidade. É um processo de reconhecimento sobre si mesmo, capaz de potencializar através da relação de zelo, a competência para enxergar de forma mais sensível os cenários que se apresentam na vida.
 É desenvolvendo sua humanidade, que o praticante de Kung Fu se torna mais perceptivo, a ponto de não ver na novidade que se apresenta uma adversidade, pelo contrário, busca na oportunidade que há em cada situação nova, um potencial "escondido", presente em toda e qualquer circunstância. 
Não sendo um alienígena daquilo que se apresenta, mas alguém que se reconhece como parte, o praticante de Kung Fu, não resiste aos acontecimentos, pelo contrário, se apoia neles e age, não se frustra se julgando despreparado, ele vai com aquilo que ele tem, buscando fazer o seu melhor.






Momento de Vida Kung Fu: Si Fu e quatro de seus Discípulos em um Café da Manhã no Mo Gun. 

segunda-feira, 1 de junho de 2020

O valor dos passos.




Si Fu e o Conselho de Discípulos do Clã Moy Jo Lei Ou.




Aprendi com meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, que a prática do Kung Fu aponta para um processo de desenvolvimento humano, catalisando o encontro do praticante consigo mesmo.
Como todo o crescimento, nos deparamos com prazeres e dores, e a experiência de Vida Kung Fu não poderia ser diferente, uma vez que é um caminho vivido dentro de um Mo Gun, uma Casa de Guerra materializada no prédio local de prática, mas que também possui sua face imaterial, na relação com os outros, e consigo mesmo.
É muito importante que o  praticante de Kung Fu tenha a mente sempre em guarda, pronta para agir, para que este processo de desenvolvimento seja aproveitado da melhor forma possível.
A ideia do trabalho árduo para que se alcance um bom resultado é viva no imaginário geral, mas o fato é que um Kung Fu refinado se esforça, para não precisar fazer força. Desenvolve-se a capacidade de percepção, brotando com isso, uma visão apurada, capaz de antever e agir, não como uma forma de adivinhação, mas um condão adquirido dentro um processo de Vida Kung Fu.




Si Fu entre os Diretores de Núcleo André Almeida (à esquerda) e Cláudio Teixeira (à direita) durante prática no Núcleo Ipanema.




Ficará então o praticante diante de si mesmo, e terá a cada passo de contar mais e mais tão somente consigo, como um pássaro que terá de aprender a voar, ninguém lhe dará as asas, elas são conquistadas por você, porém seu Si Fu lhe orientará o voo.
Ao encontrar sua expressão pessoal, adquirindo a capacidade de leitura sobre si mesmo e sobre aquilo que o circunda, conseguindo expressar-se através de seu Kung Fu, o praticante perceberá com mais clareza a importância que mora no fim de cada etapa: longe de ser um abandono, será na realidade uma chance de releitura mais apurada de tudo o que viveu até ali, dando às relações e ao aprendizado, a experiência da maturidade aliada ao frescor jovial daquilo que se revive, só que agora com um olhar muito mais arguto.
 Isto é fundamental para quando vier o rompimento de uma fase na construção do Kung Fu, afinal, quando o novo se apresenta, o que ele faz de imediato, é por à prova tudo o que se construiu até agora.



Eu com dois irmãos Kung Fu, Thiago Pereira (à esquerda) e Rodrigo Moreira (no centro) durante as Comemorações dos 50 Anos de nosso Si Fu.