quarta-feira, 17 de março de 2021

Memória Ancestral: O Passado que ilumina o Futuro.


Si Fu faz reverência aos Ancestrais. A memória viva na tradição do Sistema Ving Tsun.



 "A memória é a vida sempre carregada

por grupos vivos e, nesse sentido,

está em permanente evolução."

Eric Hobsbawn.


O meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, Líder do Clã Moy Jo Lei Ou, sempre nos alertou sobre a importância de empregarmos as palavras em seu sentido real. Muitas vezes ouvimos que algumas delas  são ditas fora do seu léxico, como se novos sentidos surgissem ao alvedrio de quem diz, esvaziando seu real significado, e contribuindo com um preconceito para com a palavra, por atribuir a ela, sentido que ela não tem.

Em nosso Clã, valorizamos a nossa tradição de gerações de Mestres, e não se trata de um olhar no retrovisor, porque na realidade é um olhar em perpétuo moto, que se renova e viceja através dos To Dai (alunos) a cada momento em que a listagem tradicional do Sistema Ving Tsun é transmitida. 

E por esta razão, a palavra tradição, não se limita à algo que vem do passado, pois seu sentido é o de entrega, e a cada vez que entregamos um saber, ele sempre se renova através daquele que  o recebeu. 



Si Fu e Si Gung: Duas gerações de Mestres do Sistema Ving Tsun.


Cultivar a tradição dentro de um Sistema de Arte Marcial não é estar preso ao passado, mas se alimentar com ele, tirando proveito daquilo que ele pode oferecer para beneficiar o presente e apontar para o futuro. Os desafios sempre existiram na História humana, e as experiências não existem para serem reproduzidas, mas podermos aprender com elas e aperfeiçoarmos nossas respostas, nos apoiando  naquilo que temos, e ao invés de paralisarmos, fazermos o nosso melhor a cada momento, da forma possível. Com o atual panorama mundial, por exemplo, que exige o afastamento social, fazemos uso da internet para trocarmos experiências, e continuarmos praticando. E isso é uma resposta com Kung Fu, que olha para o cenário e não se coloca como refém, mas retira dele a resposta para atuar.



Si Fu em reunião com as Lideranças do Clã Moy Jo Lei Ou.




A tradição é um processo impulsionado pela troca de conhecimento. Aquele que transmite, aprende e se aperfeiçoa a cada vez que divide o seu saber, exatamente por ser provocado pelas interrogações de seus tutorados. Aqueles que recebem e devolvem conhecimento através de seus questionamentos, movem o refinamento constante de todo este cenário. O que apenas reafirma ser a tradição, um processo vivo de desenvolvimento humano baseado na troca de experiências, em uma cinética que faz desta entrega um palco onde todos atuam.    



Si Fu caminha com Si Taai Gung. Vida Kung Fu personificando a tradição.







terça-feira, 9 de março de 2021

Juntos: um dos frutos do trabalho de Jo Lei Ou.


Manhãs de sábado: Daai Si Hing Leonardo Reis (ao centro) orienta as práticas de Cláudio Teixeira (à esquerda) e Roberto Viana (à direita).




"Separados uns dos outros seremos pontos de vista. 

Juntos, alcançaremos a realização 

e nossos propósitos".  

(Bezerra de Menezes).


A diferença entre uma Família consanguínea para uma Família Kung Fu, é que esta nos escolhemos. E esta escolha carrega consigo as responsabilidades voluntariamente aceitas, como diria Camões é um "estar-se preso por vontade". E esta vontade tem um objetivo específico: desenvolver o próprio Kung Fu.

E não se desenvolve o próprio Kung Fu sem que se divida com outras pessoas suas próprias experiências, potenciais e limites. É uma verdadeira opção de vida, um desejo de se desenvolver como ser humano, tendo como cenário o combate simbólico.

O desenvolvimento de um praticante de Ving Tsun que é To Dai (aluno) de meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, acontece dentro daquilo que Patriarca Moy Yat chamava de Vida Kung Fu. Como o próprio nome sugere, é uma forma de viver, que incorpora a experiência promovida por nosso Si Fu, um trabalho de aperfeiçoamento humano, onde desenvolvemos nossos potenciais e manifestamos o nosso melhor por meio desta convivência. 



Si Fu entre mim e meu irmão Kung Fu, Marcos Leiras. Em minhas mãos, assinado por Si Fu os princípios: Aderir, Aproveitar e Aprimorar.
  


E para que esta experiência seja aproveitada da melhor forma, dividimos nossas experiências com nossos irmãos Kung Fu, compartilhando aquilo que aprendemos com Si Fu, comprometidos com o desenvolvimento de todos, para que retiremos cada vez mais proveito por meio destas relações.

Natural que com o tempo, nos conhecendo melhor, tenhamos que aprender com as diferenças, refrear nossos limites e compreender os limites dos nossos iguais, To Dai de nosso Si Fu, assim como nós. O Mo Gun é uma Casa de Guerra, e a crise é parte necessária deste ensinamento, as dores do crescimento virão, tropeçar, errar e até ser injusto, muitas vezes fazem parte deste difícil processo, porém o próprio Sistema Ving Tsun consegue nos ajudar nisso. Assim como Chi Sau que termina a cada rolada, dentro da Família Kung Fu, sempre podemos zerar e começar de novo. 

O principal aí não é se fez certo ou errado, mas sim o que se conseguiu aprender com isso. É um microcosmo bem diferente daqueles que percebemos fora dele, seja no trabalho, entre amigos, até mesmo dentro da Família de sangue. É um mundo imaterial que carregamos conosco e nos permite viver melhor em todos os outros ambientes que frequentamos. 

Este Blog mesmo é fruto deste desenvolvimento. Jamais imaginei escrever postagens e disponibilizar aquilo que penso sobre qualquer assunto. Foi graças ao incentivo de meu Si Fu para mim e para meus outros irmãos Kung Fu, que agora consigo dividir o que penso e expressar através de palavras aquilo que com ele aprendi. 

E tudo isso porque juntos vamos nos tornando, com a Vida Kung Fu, os frutos do trabalho do meu Si Fu.



Eu com meus irmãos Kung Fu, Thiago Pereira (ao centro) e Vladmir Anchieta (à direita) no almoço de Celebração dos 51 anos de nosso Si Fu.




Mulheres que cantam a Primavera.

 

Yim Ving Tsun e Si Sok Úrsula Lima: passado e presente unidas através do legado de um Sistema de Kung Fu.


"Nas duas faces de Eva

A Bela e a Fera

Um certo sorriso de quem nada quer

Sexo frágil não foge à luta."

(Rita Lee - Cor de Rosa choque).


Nas mais diversas áreas do saber humano, mulheres notáveis deram a sua contribuição para o progresso da Humanidade. Emprestaram sua sensibilidade e conhecimento, contribuindo com seu talento para a evolução das mais diversas Sociedades. 

Trago nesta postagem um pouco da História de duas grandes mulheres que marcaram para sempre seu nome no Sistema de Kung Fu que eu, e milhares de pessoas ao redor do mundo se dedicam à prática. A primeira delas inclusive, empresta o próprio nome ao Sistema: Ving Tsun.

O nome Yim Ving Tsun pode ser traduzido como: "cantar eternamente a primavera". É como se chamava a fundadora do Sistema, uma jovem que em determinado momento de sua vida estava sendo forçada a casar-se um com vilão que aterrorizava o lugarejo onde morava. Parecia que o destino desta jovem seria cruelmente traçado, vitimando-a a um casamento infeliz, imposto por uma usurpação forçada pelo machismo. 

Acontece que a jovem conheceu Ng Mui, uma Monja que havia escapado do incêndio do Monastério que habitava. Dela recebeu o conhecimento, que mais tarde, veio a organizar em um Sistema. De posse deste conhecimento, desafiou o vilão para uma luta, e se ele vencesse, ela se casaria com ele. 

Yim Ving Tsun de fato venceu porque não se casou com ele, e quanto à luta, ela pode nem ter acontecido, afinal desafiar publicamente o vilão para uma luta com aquele objetivo aponta para pelo menos dois cenários: o primeiro é que ele foi envergonhado publicamente, afinal, só conseguiria casar-se com ela se lutasse. O segundo é que se perdesse, seria derrotado por uma mulher, vergonhoso para uma sociedade machista como a chinesa por volta de 1700. 

Depois destes episódios, Yim Ving Tsun se casaria com Leung Bok To, transmitindo a ele seu conhecimento. Em sua homenagem batizou o Sistema de Kung Fu transmitido a ele por sua mulher, de Ving Tusn. 



Ving Tsun gravado em madeira: Presente que recebi de minha Si Sok, Mestre Senior Úrsula Lima no ano de 2003.



Mestre Úrsula Lima é irmã Kung Fu de meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho, o que faz dela minha Si Sok (tia Kung Fu). Ela tem uma longa história de colaboração com a Família Kung Fu de meu Mestre, tendo sido Coordenadora Geral do Núcleo Barra da Tijuca por mais de 10 anos.

Em julho de 2010, foi reconhecida Mestre Qualificado pela Moy Yat Ving Tsun Martial Inteligence, com os auspícios da International MYVT Federation, sendo a primeira mulher do Clã Moy Yat Sang a receber tal honraria.

A minha Si Sok é uma referência dentro do Sistema Ving Tsun, por sua alta qualificação técnica, sua liderança e determinação. Comemorou em julho do ano passado 10 Anos de Inauguração de sua Família Kung Fu, desenvolvendo seu trabalho no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, bem como iniciou uma carreira internacional tendo transmitido também em Portugal. 

Alguns séculos separam as histórias de Yim Ving Tsun e Mestre Senior Úrsula Lima, porém através do legado de uma tradição de Mestres, com a transmissão pura e legítima do Sistema, elas se encontram em essência, e por ter bebido da mesma fonte de conhecimento, hoje é possível que se possa receber a transmissão diretamente através de uma mulher, Mestre da mesma arte, e pertencente à linhagem direta da fundadora. 

 


Meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho e Si Sok, Mestre Senior Úrsula Lima. Primos de sangue, e décadas como irmãos Kung Fu.


O Ving Tsun é um Sistema de Kung Fu essencialmente feminino, negando a usurpação através da força, apoiando-se no que é oferecido pelo oponente para alcançar a vitória. É antes de tudo uma atitude inteligente que observa o cenário e se apoia nele.

 E através de grandes mestres, de todas as épocas, de Yim Ving Tsun à Úrsula Lima, é que se confirma por séculos, ser a personificação da essência feminina, o que move esta bela arte.  



Mestre Senior Úrsula Lima: Família Moy Lin Mah e convidados, com a presença do Mestre Senior Ricardo Queiroz.









 

   

quinta-feira, 4 de março de 2021

Contar a própria História.

Prática do Baat Jaam Do com meu irmão Kung Fu, Rodrigo Moreira.



"Cada um de nós compõe a sua história,

Cada ser em si

Carrega o dom de ser capaz

E ser feliz".

(Tocando em frente: Almir Sater e Renato Teixeira).




Uma das maiores belezas que existem no Kung Fu na minha opinião, reside no fato de que algo é entregue à você, que foi desenvolvido por pessoas de outra época, de outra Cultura,  um saber Ancestral, de várias gerações de Mestres e este saber não lhe é entregue pronto. E nem deve ser assim.
A experiência que meu Si Fu, Mestre Senior Julio Camacho nos proporciona, mobilizando minha busca por uma leitura  pessoal para a sequência do Baat Jaam Do, levando a debruçar-me sobre o estudo de cada movimento, me faz lembrar  de um belo diálogo entre um lendário professor de Matemática brasileiro, Augusto Cesar Morgado e um ex-aluno seu, do Curso de Engenharia da UFRJ. 
Conta o ex-aluno que quando já fazia seu Mestrado na UFRJ, no Curso de Análise Real foi adotado o livro do Rudin. Como era muito aplicado, tinha o hábito de resolver todos os exercícios, mas no capítulo 3, havia um que não conseguia fazer. O que ele fez? Perguntou ao Morgado. Após ler o enunciado por cerca de 30 segundos, deu-se o diálogo:
Morgado: Você conhece o teorema de Pringsheim?
Aluno: Nunca ouvi falar.
Morgado: Então vá estudar o teorema de Pringsheim. 
Assim também é no estudo do Kung Fu. Cada um de nós, Discípulos de meu Si Fu precisamos encontrar nossas respostas, ele aponta o caminho, e cada um buscará desenvolver seu Kung Fu e deixá-lo do tamanho que esta busca proporcionará.





Si Fu orienta seus Discípulos Leonardo Reis e Pedro Corrêa (ao fundo na foto).




Quando pratico a Sequência do Nível Superior Final, tenho um roteiro a seguir, mas forma de contar a História, o colorido que darei ao roteiro que recebi, é responsabilidade minha. E esta forma de transmissão é uma grande demonstração de respeito e confiança que meu Mestre deposita na relação que desenvolve comigo, seu Discípulo.
Chegará o momento em que meu Si Fu apresentará para mim, a sua expressão pessoal, de como ele mesmo realiza a sequência, resultado de sua busca, de seu estudo. Mas até lá a mim cabe continuar procurando respostas às minhas perguntas, personalizar a minha forma de executar através da minha compreensão sobre a sequência. Este é um caminho de muito trabalho, afinal é um caminho de Mestria. 
Meu Si Fu disse que a transmissão tradicional é assim realizada por que, do contrário, é como se meu jovem Kung Fu fosse esmagado pelo conhecimento de uma tradição de várias gerações de Mestres, afinal, se eu assistisse a sequência de meu Si Fu antes de ter a minha própria amadurecida, não teria como defender minha própria história, por sua jovial fragilidade, ao ver o tamanho do conhecimento que se colocaria diante dos meus olhos.  
Como na História que contei sobre o Professor Morgado que indicou ao seu ex-aluno qual teorema apontaria para a resposta de sua questão, meu Si Fu me aponta os caminhos para que eu construa a minha História e seja capaz de defendê-la como o resultado do desenvolvimento do meu próprio Kung Fu. 
E assim, aquilo que digo através de uma Sequência com duas facas nas mãos, será a síntese daquilo que sou como praticante de Kung Fu.  Meu Si Fu aponta o caminho, mas a estrada é caminhada por mim.
Serei eu a contar a minha História.  





Si Fu orienta sobre a anatomia do Ving Tsun Do.